Uma recuperação fora do comum

Laurence Boone | Economista-Chefe da OCDE
Laurence Boone,
Economista-Chefe da OCD

English | Français | Español | Deutsche

É com certo alívio que observamos uma melhoria nas perspectivas econômicas, mas com certo desconforto que percebemos que essa melhoria ocorre de uma forma muito desigual. Em meio a novos surtos do vírus, os quais são menos frequentes, mas mais difusos ao redor do mundo, o crescimento global continua a se recuperar. Projetamos um aumento de quase 6% na produção global este ano, um aumento impressionante após a contração de 3,5% em 2020. Apesar do fato de que essa recuperação fará com que a maior parte do mundo retorne aos níveis de PIB anteriores à pandemia até o fim de 2022, isso está longe de ser suficiente. A economia global continua abaixo de sua trajetória de crescimento pré-pandemia e, em muitos países da OCDE, os padrões de vida no fim de 2022 não voltarão aos níveis antes esperados.

Ações políticas rápidas ajudaram na recuperação econômica e sanitária. Agora, 16 meses após o início da pandemia, muitos países estão lidando melhor com novos surtos do vírus. Os governos administraram cerca de 2 bilhões de doses de vacinas e a capacidade global para testar, produzir e administrar essas vacinas melhorou rapidamente. A rede de políticas de proteção sem precedentes que os governos implantaram preservou o tecido econômico, as empresas e os empregos na maioria dos países desenvolvidos e em alguns países emergentes. O apoio emergencial das políticas – seja em relação à saúde, com velocidade recorde para o desenvolvimento de vacinas, monetário, fiscal ou financeiro- nunca foi tão rápido e eficaz. Como resultado, o setor manufatureiro está crescendo rapidamente, o comércio de mercadorias está se recuperando bem à medida que as fronteiras reabrem e as viagens estão sendo retomadas pouco a pouco. Além disso, a reabertura é acompanhada por um aumento do consumo e das horas trabalhadas, o que é muito encorajador, pois deve limitar as cicatrizes que surgirão com a crise.

No entanto, ainda existem muitos desafios.

É bastante perturbador que economias emergentes e de baixa renda não estejam recebendo vacinas suficientes. Isso as deixa expostas a uma ameaça fundamental, já que elas têm menos capacidade para respaldar a atividade do que as economias mais desenvolvidas. Um novo enfraquecimento do crescimento, provocado pelo vírus, seria mais difícil de se combater, resultando em novos aumentos na pobreza e potencialmente em dificuldades de financiamento soberano se os mercados financeiros começassem a estar preocupados. Isso é ainda mais preocupante porque, além do impacto sobre a vida e os meios de subsistência, o custo econômico e social global de manter as fronteiras fechadas supera em muito os custos de disponibilizar mais amplamente as vacinas, os testes e os insumos de saúde para esses países. 

De forma mais ampla, enquanto a grande maioria da população mundial não estiver vacinada, todos nós permaneceremos vulneráveis ao surgimento de novas variantes. A confiança pode ser seriamente desgastada por novas restrições como confinamentos e o constante anda e para da atividade econômica. Uma parte das empresas, bem protegidas até agora, mas muitas vezes com dívidas maiores do que antes da pandemia, podem acabar falindo. Os membros mais vulneráveis da sociedade correm o risco de sofrer ainda mais com períodos prolongados de inatividade ou renda reduzida, exacerbando as desigualdades, dentro dos países e entre eles, e potencialmente desestabilizando economias.  

Um novo risco, muito debatido, é a possibilidade de inflação mais alta. Os preços das matérias primas têm subido rapidamente. Os gargalos em alguns setores e as perturbações no comércio internacional têm criado tensões sobre preços. Essas perturbações devem começar a desaparecer no fim do ano à medida que a capacidade de produção se normaliza e o consumo se reequilibra entre os bens e os serviços. Os mercados de trabalho ainda estão muito fracos, limitando o crescimento dos salários. Nesse contexto, enquanto as expectativas de inflação permanecerem bem ancoradas e o crescimento dos salários permanecer reduzido, acreditamos que os bancos centrais permanecerão vigilantes, mas não se preocuparão com esses aumentos temporários de preços. Em nossa opinião, o mais preocupante é o risco de que os mercados financeiros comecem a se preocupar com aumentos temporários e ajustes relativos de preços, aumentando, assim, as taxas de juros de mercado e a volatilidade. É preciso vigilância.

Quando surgem gargalos em setores nos quais a produção é altamente concentrada, como os chips eletrônicos, ameaçando grandes partes da cadeia produtiva, os governos devem fazer o máximo para reduzir essas tensões por meio de maior cooperação no comércio e medidas para diversificar as fontes de aprovisionamento. Uma das principais lições que tiramos dessa crise é prestar mais atenção à resiliência das cadeias de aprovisionamento, conforme evidenciada pelos picos de preços em setores com excessiva concentração de produção. De forma geral, os governos também têm um papel a desempenhar no enfrentamento das ameaças de inflação ao buscar políticas que elevem o crescimento potencial da produção e fortaleçam a concorrência e o comércio.

À medida que os países transitam para melhores perspectivas, seria perigoso acreditar que os governos já estão fazendo o suficiente para impulsionar e melhorar o crescimento, principalmente quando se considera o objetivo da descarbonização. Medidas para pessoas e empresas, flexíveis e adaptadas à situação específica, são essenciais para consolidar as expectativas de que o apoio fiscal será mantido e bem direcionado enquanto as economias não voltarem à situação de pleno emprego ou se aproximarem dela. Em particular, é essencial o fortalecimento dos balanços de pequenas empresas viáveis por meio do diferimento de impostos ou subsídios. Além disso, é importante que seja disponibilizado investimento público suficiente para as transições digital e verde e que os fundos sejam gastos de forma rápida e eficiente, o que também ajudaria a incentivar o investimento privado nessas áreas. Por fim, a confiança seria reforçada ao sinalizar que uma estrutura fiscal clara, eficaz e sustentável será implementada e que planos fiscais de médio prazo estão começando a ser desenvolvidos, com base em revisões dos gastos públicos, para garantir que as prioridades correspondam às ambições e às necessidades dos cidadãos, além de reavaliações dos sistemas tributários para garantir uma tributação justa, eficiente e progressiva. 

A economia mundial está caminhando em direção à recuperação, mas ainda com muitos obstáculos. É alto o risco de que não seja alcançado um crescimento pós-pandêmico suficiente ou que ele não seja amplamente compartilhado. Isso dependerá muito da adoção de marcos flexíveis e sustentáveis para as políticas públicas e da qualidade da cooperação internacional.

http://www.oecd.org/economy/retrato-economico-do-brasil/

http://www.oecd.org/economy/retrato-economico-portugal/